Mariana Salomão Carrara
Por um tempo uma aranha viveu num canto do teto do nosso quarto. Não era grande, mas também não era tão minúscula.
─ Vou matar, Rafa. Com um rodo.
─ Não, deixa aí um tempo, Lena. Ela
vai comendo uns insetos.
Naquele dia eu tinha de novo sonhado
que eu tinha um filho. Acordar desses sonhos sempre foi muito ruim. A vida
linda que eu tenho de repente parece vazia, só porque em sonho eu tinha sentido
alguma coisa tão poderosa que acordar no meio do meu quarto e constatar a
completa inexistência da criança que eu amei tanto é arrebatadoramente
frustrante.
Era domingo e eu voltei pra cama, já
que não seria necessário buscar o rodo pra matar a aranha. O Rafael sentiu o
meu humor e sumiu dali, foi se enfiar nos papéis dele, na sala. Fiquei olhando
a aranha debaixo pra cima e me pareceu o bicho mais solitário do mundo. Eu
tinha a apoteose da solidão instalada no meu quarto, em cima de mim.
Fiquei me imaginando com tantas
pernas só para andar tão pouco, fazer da minha própria casa uma armadilha às
minhas únicas visitas. Devorar em pedaços quem se aproxime de mim. Viver no
canto desse quarto sem nada pra dizer, com tantos olhos sem nada que me
interesse ver.
É capaz que ponham ovos, não sei, e
que cuidem deles um dia, mas não essa. Não essa aranha sucateada nesse arremate
de teto, tecendo compulsivamente sua cama em cima da umidade, bem no canto onde
o sol nunca chega. Ela que vai ficar aí esquecida uns dias comendo mosquitos insossos
até eu pegar o rodo.
Fiquei ali deitada muito tempo pensando
em como não ser como ela. Calculei o que seria preciso evitar pra não perceber
de repente que eu sou uma aranha imensa e amarga e peçonhenta sugando a energia
de qualquer um que se aproxime de mim. O que eu teria de fazer pra nunca estar
no canto mais úmido, escuro e escondido da minha vida, toda embaralhada,
enforcada na minha própria linha.
─ Você não sai dessa cama, não, Lena?
Vai ficar igual à aranha parada na teia.
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