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sábado, 10 de outubro de 2015

Espera

Zulmira Carvalheiro

Parado aqui na porta do meu rancho, fitando a imensidão do céu, tenho visto o mundo se transformar. 
Sentei nesta soleira há muito tempo e nunca mais levantei. A não ser uma vez, quando peguei doença e me carregaram para dentro. Mas depois voltei e aqui estou como sempre, espiando a estradinha de terra.
Enquanto isso, o sol nasce, o sol se põe, e tudo vai mudando. 
Os morros eram verdes de tanta árvore. Aí derrubaram tudo. O verde sumiu. Só se via a terra e a poeira que o vento esparramava. 
O tempo passou, a terra verdejou outra vez. Mas não é como antes, só cresceu mato rasteiro. 
O riacho também modificou. A água, de clarinha que era, escureceu.  Agora nem enxergo mais a correnteza, deve ter secado tudo.
Quando os morros eram verdes e as águas eram claras, tinha bastante gente morando por aqui. Disso me recordo bem. 
Então veio aquele dia. Cheguei do eito e estranhei a porta aberta. Tudo escuro lá dentro. Saí procurando ela, mas ela não estava em lugar nenhum. Me disseram que tinha ido embora de manhã cedo, carregando a mala. Enveredou pela estradinha e desapareceu sem falar com ninguém.
Duvidei, fui pra casa e encontrei o guarda-roupa vazio. Era verdade, ela tinha fugido. O motivo, levou junto com ela.  
Vim aqui e sentei na soleira, esperando ela voltar. 
As pessoas chegavam e me diziam pra entrar pra dentro, que estava de noite, fazia frio e eu ia perder a pouca saúde que tinha. Me traziam comida, sentavam do meu lado e me obrigavam a comer pelo menos um pouco. Até cobertor arrumavam pra me cobrir, porque entrar eu não entrava. 
Aí fiquei doente. Eles me pegaram e me puseram na cama.
Esqueci o que aconteceu. Só sei que voltei pra cá e ninguém tornou a falar comigo. Passavam reto na estrada sem virar a cabeça nesta direção. 
Não fiz conta, prefiro estar sozinho. Acostumei. Nunca mais senti frio nem fome nem sede.
Sumiu o arvoredo dos morros, o riacho secou, e todo o povo foi pra longe. 
Só restou eu aqui, sem outra labuta além de olhar o sol nascer e o sol morrer.
Um dia, quando ela apontar na curva logo ali depois da cerca, vai me ver neste mesmo lugar, esperando. 
Vai ficar bem contente, que eu sei. E vai apertar o passo, com vontade de me abraçar.

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