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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Cena de foco aberto

Mariana Salomão Carrara

Quando permito que os delírios dela provoquem sigilosos princípios de conjecturas em mim, fica a imagem absurda: eu com parafernálias de bebê, e um bebê, chegando de volta da maternidade ao apartamentinho avermelhado e infestado de poeira, figurinos, uísques e artistas – rapidamente substituídos e afastados por parentes cheios de autoridade –, um bebê ali parado embrulhado no meu braço, num dia totalmente irreversível como nenhum outro, o bebê reordenando as prioridades e subitamente transformando qualquer vocação ou arte em supérfluo, o bebê no braço pesando cada vez mais, até que não caiba no berço, nem caiba na minha vida, onde nunca de fato teria cabido, uma pessoa que eu teria posto no mundo e que pouco a pouco poderia fazer cada vez menos sentido. Alguém, na pior das hipóteses um homem, que nada tem a ver comigo e de quem eu não posso me separar jamais. Um outro homem que talvez por freudialidades revoltantes tenha se formado ao avesso de mim e se sente à minha mesa com a barba  impecável exercendo suas boçalidades tipicamente masculinas, repletas de uma heterossexualidade das mais triviais, apresentando mulheres conformadas e plácidas com quem o meu convívio começa a ser permanente. Circularia em casal pela minha sala exercendo sua jovialidade plástica, exibindo músculos que eu nunca tive, julgando-se ele próprio o retrato de uma nostalgia que eu terminantemente não teria. Tentativas inócuas de me magoar com a minha velhice enquanto na verdade me enoja com a sua juventude de banalidades, escancarando ao mundo que não pode haver nada de especial em mim se o que eu pude gerar é um cuspe amorfo da mediocridade, ele ali feito um espelho eterno que eu passaria a vida tentando negar. 

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